27.3.11

módulo IV - audiovisuais - semana 5

CONCEITO
a) conceito individual

1.
Adormeci e entrei em mim. A preto e branco me procurei no espelho sujo. O batimento frágil e intenso de meu coração ribombou em cada veia da cabeça, dos dedos. Arrepiei-me nua neste espaço vazio. Olhando-me não me vi. Não tinha cara, apenas pele exposta. Esse espelho de enganos estava coberto de mim, de sinais e de uma leve penugem, de pele macia e de brancura, de manchas e de cicatrizes. Chorei. Arrependi-me da entrega ao estado puro e cru.
Cai no negro, o ar acariciava-me as entranhas, os olhos e a boca, deixei-me levar. A minha cabeça ficou livre e leve. De novo enfrentei o espelho sujo. Uma veia palpitava-me do peito ao pescoço e daqui à têmpora. Mas parou, um aperto no coração perante o rosto sem eu. Gritei, gemi e lamentei.
Acordei e procurei o espelho que nunca tinha existido. Olhei-me na água fria e vi a lágrima e a palavra. Reflectida naquela agitação isenta de vida me encontrei. Ali era eu, eram os meus olhos escuros, a minha boca ferida, a minha língua seca.
Eu era o complexo humano, eu sou o desassosego.

análise: num primeiro ‘rascunho’ o espelho revelou-se uma porta demasiado evidente. Porém o sonho como uma porta para mim mesma já é uma porta mais disforme e menos comum. Este conceito é um medo de me perder, no meu sonho descubro que já não sei quem sou e procuro desesperadamente por mim mesma, encontrando em todos os espelhos meras imagens das minhas memórias e sensações e nunca algo que eu reconhecesse como uma característica física minha. Apenas quando acordo reconheço essas minhas características físicas, porém era no sonho que via realmente quem era, não é o meu corpo, a minha cor que define quem sou, apenas as cicatrizes que possuo podem contar em parte com o que o mundo me fez.


2.
O desassossego cria buracos na nossa cabeça, espaços à toa que flutuam sem saber o porquê.
Inquieta-me o olhar para uma pedra e não ver nada para além disso. Perturba-me ter deixado de observar fixamente uma pessoa que estava sentada à minha frente. Arrepia-me ler sem pensar e ter que voltar a trás porque estava abstraída.
Não é tristeza, não é ansiedade nem é ausência.
É a ambiguidade entre o que sou e o que serei.

análise: este pequeno texto trata-se de uma transição entre o conceito inicial e o final. é uma reflexão sobre o próprio conceito. Essas portas todas têm uma entrada e saída exactamente iguais: a ambiguidade. É neste estado em que realmente sou, porque ninguém é precisamente alguém, tem dois lados que se repartem em muitos mais. Uns mais salientes que outros mas temos muitos lados, somos humanamente ambíguos.


3.
Sou um espelho velho, sujo e mudo.
Quero sair desta superfície sempre fria criada por mil grãos de areia esquecidos. Reflicto tantos rostos, tantas almas que já desespero. Ando de um lado para o outro, sento-me nas cadeiras que me procuram sossegar sem resultado. Choro, grito e enlouqueço em cada uma delas. Não quero dizer mais mentiras aos velhos, não quero encostar minha testa à de outro adolescente triste e não quero observar outros mais. Toco no meu rosto e sinto as concavidades, as rugosidades e as feridas cuja cor nunca soube. Vivo apagada, ignorante de mim mesma podendo ver apenas as minhas mãos secas e meus pés imundos. Apenas uma sombra opaca e distorcida conheço como eu. Penso inconsciente, estou isolada do meu corpo desconhecido. E isso desassossega-me profundamente, entristece-me o coração não saber as ranhuras dos meus olhos tomando-os por meros círculos vazios.

análise: voltando ao cliché do espelho resolvi abordá-lo de outra maneira por sugestão do Professor Luís Conde, porque não ser o espelho? Não, não sou o espelho mas estou presa por detrás dele, faço o que ele faz mas por obrigação, e depois da eternidade, representar mil e uma personagens fez-me deixar de saber quem sou. Nunca sequer cheguei a conhecer o meu corpo pelo espelho, vivendo numa ironia permanente. Como já me perdi interiormente procuro desesperadamente o meu corpo sem qualquer sucesso. Abro então portas que não queria ter aberto pois apenas para um lugar escuro e vazio me levaram. Sento-me e choro, reconhecendo que perdi esta luta. Sento-me e grito, descobrindo a voz rouca e sem força. Sento-me e enlouqueço, quebro-me totalmente caindo então no chão e ficando realmente vazia por dentro.







b) conceito de grupo

Em nós existem muitos mundos. As portas que podemos abrir são imensas. Porém todas elas vêm de um núcleo comum: o sonho. É coisa estranha, bizarra e totalmente surreal mas genuína. É uma brincadeira azeda e sensorial. É uma zona neutra onde nos revoltamos contra nós mesmos. É um estado induzido pela hipnose do real. Torna-se o jogo viciado de que fugimos apesar de nos atrair pela profundidade da sua verdade.
Abre-se para as portas do surreal, do absurdo, do medo, da solidão, do desassossego e do tempo.
É o estado quase verdadeiro.


análise: abrimos todas portas para dentro do Homem. Mas é a procura, a fuga, o confronto, a descoberta, a contemplação e o tempo que vivemos dentro de nós. As portas inter-relacionam-se e interagem mesmo umas com as outras porque vão dar ao mesmo fim: a verdade.
 

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