3.4.11

módulo IV - audiovisuais - semana 6

MEMÓRIA DESCRITIVA
a) O QUE FOI PEDIDO

Tivemos como desafio o de abrir três portas dentro de nós e descrever o que lá encontrávamos. Assim, em vez de nos focarmos em apenas um ponto de vista de nós mesmos tivemos que pegar em nós e partimo-nos em três e daí em cada vez mais.

Neste módulo foi-nos pedido aa realização de vários raids, de modo a aprofundar ao máximo o nosso conceito levando-o assim às mais diversas interpretações e quase inconscientemente olhar de outras formas para o conceito que nós próprios construimos. Num primeiro explorávamos o nosso mundo, local ou nos formamos onde somos nós. Assim, explorávamos o que vemos, o que faz parte da visão, da sensações e significados, descobrindo então através da quantidade várias outras portas dentro de uma só parte de nós.

Num segundo raid seleccionámos uma dessas portas e voltámos a vê-la e revê-la nas coisas que já tinhamos visto, mas de um outro ponto de vista, dum ponto de vista mais concreto, com mais consciência do que procurámos.

O terceiro raid foi uma selecção das melhores imagens do segundo. Não por serem apenas boas fotografias ou por estarem ‘giras’ mas sim porque se aproximavam verdadeiramente do nosso conceito.

Foi-nos pedido também três retratos dessas três portas, cada porta, cada retrato seria um olhar sobre nós mesmos, mas numa representação que não necessitava propriamente de ser directa. Difere dos raids porque é um trabalho premeditado e revisto várias vezes para chegar a um resultado mais verdadeiro.

Como trabalho de grupo tinhamos de nos juntar em grupos de quatro e fazer uma curta-metragem de modo a representar em seis planos de uma cena as seis portas do nosso conceito de grupo. Uma vez que seria eu a editar o filme e não o Professor fizemos mais do que uma cena e muitos mais planos.

Assim, foi-nos basicamente pedido que através da linguagem audiovisuais passássemos o nosso interior para fotografia e para vídeo. Foi como que uma exposição visual de nós mesmos.









b) QUE RESPOSTA FOI DADA

O meu conceito sofreu várias alterações mantendo porém uma constante: o desassossego em que o meu coração e alma de mantém.

No primeiro ‘rascunho’ abri portas que me atiravam para o chão, para o escuro, onde no cliché do espelho apenas via partes de mim, memórias representadas por cicatrizes e sinais, noutra porta via apenas o meu corpo como pele sobre veias e batimento cardíaco, mas sem identidade. Tratando-se tudo de um sonho, que é o estado mais próximo de nós mesmos em que podemos estar, procuro-me a mim mesma, passando buracos e espelhos partidos sempre em busca de mim, representado pelo lado físico que transparece ao fim ao cabo o nosso interior. Apenas quando acordo descubro no reflexo turvo da água um reflexo disforme de mim, e fico felikz, fico aliviada por saber que tenho olhos com cor, mesmo que seja escura.

Como texto final a apresentar disse que o meu mundo era feito de desassossego e nele via outro mundo à minha frente no qual tinha que resolver os problemas que não eram os meus. Fazia parte de um espelho mas no meu intímo era uma prisão. Desconhecia o meu rosto, a cor da minha alma. Aos poucos fui enlouquecendo com toda aquela rotina delimitada por quatro paredes de areia derretida. Sentava-me em cadeiras procurando conforto num assento rugoso, no entanto só conseguia chorar mais. No limite gritava para com a minha própria sombra, procurava ironicamente o meu rosto no dos outros mas apenas os outros via. Nas feridas dos pés procurava uma pista da cor da minha pele. Tentava limpar a sujidade das minhas mãos, o pó das minhas unhas na esperança de ver o reflexo na superfície dura e opaca.

     Assim, através da ajuda de referenciais que me inspiraram, da pesquisa de outros trabalhos comecei a construção de um trabalho no qual me pudesse reflectir. No raid, como produto final obtive uma porta partida, de tinta lascada e cheia de pó que se chamava ‘decadência interrompida’, era uma porta para dentro do meu lado mais obscuro, mais triste e amargurado. Nesta porta podia ver as minhas memórias e imagens que não queria relembrar pois apenas me lembravam o meu coração morto, podre e suspenso no tempo na visualização destas imagens que eram a tradução de uma parte de mim que toda a gente tem e procura enterrar por debaixo da felicidade e dos sonhos em que deixei de acreditar a partir do momento em que conheci a dor e a crueza.

     No retrato procurei transmitir essas cadeiras onde chorava, gritava e enlouquecia. Fiz várias tentativas para fazer essa representação: através da imagem do homem humilde pensador, da jovem envolta no luto por si mesma, o punho a apertar uma folha escrita vendo-se os tendões e veias, a mulher de véu islâmico a chorar, as cicatrizes duma doença mortal na pele de uma criança, a rapariga de preto e cabelos ondulados a dançar com um lençól como que procurando libertar-se de si mesma e uma mão que procura o caminho, a luz.

     Em cinema o nosso conceito de grupo formou-se a partir do conceito individual de cada elemento do grupo convergindo entre si. Assim percebemos que a parte mais real em nós, a porta para a nossa verdade, para os nossos segredos mais intímos é o sonho. Através do sonho abrimos portas para os mais diversos eus. Ao entrarmos para dentro de nós mesmos limpamo-nos de nós mesmos, de toda a nossa sujidade. Jogamos contra o tempo, contra a memória, contra nós mesmos. Procuramos uma luz no tecto que nunca conseguiremos alcançar. Ficamos perdidos no vazio que temos no peito e acordamos. A linha entre a realidade e o que
é sonho, o absurdo e o usual é ténue. O cérebro já processa tudo como o coração, já não há pretos e brancos.



c) ASPECTOS DIGNOS DE REGISTO

O ‘livro do desassossego’ de Fernando Pessoa foi um livro que me inspirou muito para este módulo assim como a curta-metragem ‘contre-jour’ de Christoph Girardet e Matthias Müller.

O livro do desassossego é uma viagem interior do Homem no seu próprio desconhecido. Nunca se encontra verdadeiramente, mas descobre um mundo mais verdadeiro, ora complexo ora simples, ora cru ora doce.

“Mas o contraste não me esmaga – liberta-me; e a ironia que há nele é sangue meu” p.43

“Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida.” p.48

“Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter...” p.49

Assim, o Livro do Desassossego fez-me reflectir de dentro para dentro, o que se reflectiu inevitavelmente no meu trabalho. Procurei precisamente nas minhas memórias mais profundas e nas dores mais violentas para abrir portas que se revelassem verdadeiras embora que duras.


A curta-metragem ‘contre-jour’ deixou-me extasiada com o jogo preverso entre a cegueira e a luz. O filme capta de imediato a atenção de uma pessoa e absorve-a completamente com aqueles flashes de caras de pessoas, o próprio som da bobina envolve a pessoa e quando damos conta já estamos a piscar os olhos e estamos entontecidos com as luzes, os movimentos das personagens, as vozes que perguntam se vemos e o grito de ‘luz!’. O filme é uma demonstração da luta do Homem contra o próprio avançar, com medo da Luz prefere a escuridão e só se limita a abrir e fechar os olhos nada mais vendo que figuras disformes, tornando-se ignorante da própria realidade.





d) CONCLUSÃO

Confesso que me descuidei mais no trabalho do Retrato dando quase toda a minha atenção à curta-metragem de que baptizámos de ‘Estado Quase Verdadeiro’.

No raid senti de facto uma grande liberdade de explorar o mundo que me rodeia e foi algo que fiz com alguma facilidade, começando a explorar técnicas de focagem, colocação do objecto, luminosidade, contraste, etc.

Podia ter abordado o retrato de uma forma menos premeditada, olhando para o meu trabalho e para o dos meus colegas parecem todos iguais pelo facto de não terem nada de natural realmente, nota-se em cada pormenor do meu trabalho a este nível que aquela mão tinha que estar ali, que tinha que ser aquela luz e aquela cor, que tinha que ser aquela mensagem. Acho que foi por isso que explorei tantas ideias para o retrato, não estava satisfeita com o resultado e assim continuo, infelizmente.

O filme foi uma forma de não só de me expressar a mim como explorar os meus colegas, a partir duma ideia, dum conceito, duma imagem, contruímos um portão para nós. Não nos limitámos a passar obviamente a ideia x, quisemos ir para além disso e tentámos chegar a outro patamar. Não queriamos que ficasse um mero trabalho tolo ou divertido, queriamos que ficasse de facto algo de nós, algo de que nos orgulhássemos. E fiquei contente com o resultado, acho que conseguimos o que queriamos.

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